segunda-feira, 6 de junho de 2011

Barragem Algodões I: dois anos após o rompimento, famílias lutam por um recomeço

“Aqui parece que se concretizou a expressão: não sobrará pedra sobre pedra”, esta foi a frase utilizada pelo agente da Cáritas, Marcos Terto, para descrever como ficou o vale do Rio Pirangi, menos de 24 horas depois do rompimento da Barragem Algodões I, em Cocal da Estação. “Porque foi justamente isso que aconteceu. No lugar onde havia mais de 100 casas, propriedades, plantações, criação de animais, árvores de mais de 10m de altura, havia apenas o caos. Um monte de pedras, árvores arrancadas, areia e pouquíssimos vestígios da existência de moradias”.

Dia 27 de maio de 2009 é uma data que irá ficar marcada na história não só de Cocal, mas também de Buriti dos Lopes. Exatamente às 16h10, 52 milhões de litros de água começou a descer provocando ondas de 10 metros de altura e a uma velocidade impressionante de 80 km/h, arrastando tudo que encontrava pelo caminho, devastando povoados, matando nove pessoas, e 30 mil animais. Uma criança vitima da enxurrada nunca foi encontrada.

Na Nesta última sexta-feira, 27, essa tragédia completou dois anos com marcas profundas na vida dos moradores do vale do rio Pirangi. A passagem da data foi marcada por uma manifestação de 300 pessoas atingidas que vieram a Teresina no dia 26 de maio, chamar atenção para o problema. Durante o ato, as famílias fizeram um abraço simbólico do Palácio de Karnak, sede oficial do Governo. Após o abraço, as famílias seguiram em caminhada pela Avenida Frei Serafim até a Assembléia Legislativa, para a Sessão Solene em atenção às vítimas do rompimento da barragem.

Do saldo de destruição, duas mil pessoas ficaram desabrigadas, mas somente pouco mais de 200 recebem alguma ajuda oficial, benefíciários escolhidos sem nenhum estudo prévio. E se queixam do abandono do Governo do Estado, responsável pela obra, que deveria lhes garantir direitos plenos como indenizações e moradias, apoio para a reconstrução dos meios de vida e dignidade.

Segundo o presidente da Associação de Vítimas e Amigos das Vítimas da Barragem Algodões I (AVABA), Corsino Medeiros, as indenizações das famílias que tiveram parentes mortos nunca foram pagas. “O governo diz que está pagando para todo mundo inclusive para quem teve familiares mortos na tragédia, mas isso não acontece de verdade. Essas pessoas além de sofrerem a dor da perda estão passando necessidade”, relata Corsino.

É o caso da atingida Maria do Socorro Santos que teve a casa totalmente destruída e perdeu cinco membros da família: o marido, dois filhos, a mãe e um tio. Ela nunca recebeu indenização do governo. “Não recebi nada, nenhum centavo e fui cadastrada pelo governo, mas não sei o que aconteceu que até agora não fui indenizada. Não sei como estou sobrevivendo esses dois anos. Perdi meus familiares, essa é uma dor que nunca vai passar, e ainda não tenho como sobreviver com o único filho que sobrou. Espero que um dia enxerguem minha situação”.

Projeto Reabilitando Vidas: um sopro de esperança

Assim como dona Socorro, muitas famílias estão em situação de extrema pobreza, famílias que antes viviam em uma situação confortável. Agora sobrevivem da ajuda de parentes, amigos e de entidades que chamam a sociedade para a solidariedade. A Cáritas Brasileira Regional do Piauí ainda é uma das poucas entidades que garantem um amparo a essas famílias. Desde o momento do rompimento da barragem até os dias atuais, a Cáritas tem feito doações de alimentos, produtos de limpeza, kits de dormir (colchões, cobertores, lençóis, redes), além de ajuda na reconstrução das casas e assistência jurídica e psicossocial através do Projeto Reabilitando Vidas.

Segundo Adonias Rodrigues, assessor técnico da Cáritas, o projeto Reabilitando Vidas veio trazer uma esperança para as famílias atingidas, além de exercitar o trabalho em conjunto e a solidariedade entre as pessoas. “A Cáritas tem procurado mobilizar e organizar as comunidades na perspectiva de minimizar o sofrimento sentido por essas pessoas que tiveram suas vidas tragicamente mudadas em razão das inúmeras perdas”.

Dentre as ações concretas no município estão a reconstrução de 09 casas e a reforma de 05 que estavam com a estrutura danificada, obedecendo critérios como as famílias que não foram beneficiadas com o projeto do Governo do Estado, vulnerabilidade sócio-econômica. Foram realizados dois seminários para esclarecimento dos direitos e responsabilidades sobre o rompimento da barragem, além do apoio para participação no Fórum Nacional de Defesa Civil que aconteceu em Teresina e o Seminário Internacional de Defesa Civil que aconteceu em São Paulo. Além de apoio para a criação e efetivação da AVABA.

“Em todas essas ações, o sentimento de fazer junto e de solidariedade estiveram presentes. As casas e a reconstrução da Igreja contaram com a participação dos moradores agindo em mutirão e o voluntariado de várias pessoas que se sensibilizaram pela causa”, afirma Adonias. De acordo com o assessor, os recursos aplicados nas ações de emergência no Piauí foram cerca de 200 mil reais, sendo divididos entres os municípios atingidos pelo rompimento da barragem e o município de Barras, que também sofreu profundamente com as chuvas. “É um volume considerado pouco, mas que provocou mudanças significativas na vida das famílias. Esperamos poder continuar ajudando essas famílias, através da solidariedade de todos e todas”, finalizou.

O anuncio da tragédia

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A barragem Algodões foi construída em 1995 pelo Departamento Nacional de Obras contra as Secas (DNOCS) e Instituto de Desenvolvimento do Piauí (Idepi) para perenizar o rio Pirangi e tornar seu vale fértil para a agricultura familiar através da piscicultura, agricultura irrigada e abastecimento das cidades. A obra que custou cerca de 50 milhões de reais sofreu questionamentos ainda na sua fase de construção. Mesmo assim em 2001 a obra foi inaugurada pelo então governador Mão Santa.

Um relatório aprovado em 2002 pelo TCU - Tribunal de Contas da União aponta indícios de fraudes na construção da barragem Algodões. A obra foi investigada pela Polícia Federal e é citada numa auditoria que lista sinais de irregularidades em quatro represas erguidas pela antiga Comdepi. A auditoria revela indícios de desvio de verbas federais repassadas ao governo piauiense pelo DNOCS. Em Algodões I, os fiscais do TCU constataram o uso de notas frias para justificar a liberação de R$ 3,2 milhões. A quantia equivale a 29,4% dos R$ 11 milhões repassados para a obra entre 1997 e 1998. De acordo com o documento, o uso de notas irregulares se repetiu na construção das barragens Salinas, Rangel e Pedra Redonda.

Pelo menos a um ano da tragédia a Engerpi admitiu que várias fissuras foram encontradas na barragem e sempre reparadas com camadas de cimento. O primeiro vazamento foi detectado em junho de 2008. Em 2009, um projeto previa a reconstrução de parte da estrutura que mais tarde viria a romper, projeto que nunca foi executado.

As obras e reparos foram apenas paliativos. Os problemas começaram a ficar mais sérios no dia 14 de maio, 15 dias antes da tragédia, quando as famílias foram retiradas das áreas de risco e levadas para abrigos. Uma equipe do governo foi ao local tentar solucionar o deslocamento da ombreira esquerda do sangradouro. O engenheiro responsável pela obra, Luis Hernane de Carvalho, afastou qualquer perigo de rompimento e liberou o retorno das famílias às suas casas.

Não sobra pedra sobre pedra

Na tarde do dia 27 a barragem estoura, levando as famílias ao desespero. A lembrança de que estariam em um local seguro caso não tivessem sido liberadas a voltar para suas casas, é angustiante principalmente para pais e mães que
perderam seus filhos. A água que vinha para trazer vida para a região, agora começava a provocar morte.

Os povoados que ficaram submersos foram Angico Branco, Franco, Cruzinha, Boiba, Frecheira, Tabuleiro, Estreito, Gado Bravo, Dom Bosco, Boa Vista e Gameleira. Casas inteiras desapareceram, cemitérios ficaram com os túmulos revirados, árvores arrancadas pela raiz, igrejas, escolas e postos de saúde foram ao chão. Milhares de pessoas enviaram donativos para as vítimas.



Mariana Gonçalves, com colaboração de Sabrina Sousa

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